Marta Pessoa propõe, no seu novo filme, um olhar «sem medo» sobre o passado e diz que a sua geração tem a «responsabilidade» de questionar por que é que «a guerra colonial ainda está tão presente na cabeça das pessoas».
As mulheres, Marta Pessoa descobriu-as em todo o lado. E achou que havia uma história de guerra para ser contada. Na internet, há «uma espiral que nunca mais acaba» de coisas sobre a guerra, mas tudo «muito cerrado no ponto de vista masculino».
«As mulheres portuguesas não falam. Não há registos femininos. O Estado Novo pior ainda, não houve pior momento para a mulher do que o período da ditadura», afirmou a realizadora em entrevista à Lusa.
Marta Pessoa criou um teatro de guerra - com o cenógrafo Rui Francisco e a fotógrafa Inês Carvalho - e cada uma das mulheres conta a sua história no cenário que lhe corresponde. Foi tudo filmado no espaço A Capital, onde antes estavam os Artistas Unidos. A ideia foi «fazê-las sair da casa, deslocá-las da zona de conforto, tirá-las das distracções domésticas», explicou a realizadora.
«Tinha curiosidade em ver como é que o discurso, sendo deslocado do espaço habitual, seria transmitido», reconheceu Marta Pessoa que com este filme quis «espelhar um bocado a realidade da guerra - os soldados iam para a guerra de todo o lado, não era só no Interior, não era só no Litoral, não era só no Norte, não era só no Sul».
A realizadora não esconde a ligação pessoal. Nascida em 1974, é filha de um militar de carreira, que esteve na Guerra Colonial, na Guiné-Bissau, e estudou num colégio interno, onde tinha amigas órfãs de guerra.
«Se a minha mãe não tivesse ficado à espera [do meu pai] eu teria feito este filme? Não sei, mas também é muito difícil encontrar pessoas da minha geração que não tenham alguém na família que não tenha tido alguma relação com a guerra. A guerra não afectou só as pessoas que foram, afetou os que decidiram não ir», mulheres e homens.
Cinquenta anos após o início da guerra, a «catarse» ainda não foi feita, «os problemas não foram resolvidos», sustentou. «Não se fez o luto. Há muitos enigmas no pós-25 de Abril, não só da descolonização, mas da forma como os ex-combatentes foram tratados, ou não foram tratados. Ainda há muita mágoa, e com toda a razão, [há] assuntos que não foram resolvidos, processos abertos», reflectiu a realizadora.
Permanecem «muitos tabus, muitas viúvas escondidas, muito isolamento, muitas histórias de alcoolismo, de sem-abrigo» ¿ «se isto existe ainda, 50 anos depois de a guerra ter começado, algo se passa»
«Muito me magoa quando as pessoas da minha geração, que nasceram e cresceram a cantar aquelas canções, algumas delas insuportáveis, de papoilas a crescerem no campo e coisas assim, deixem passar essa responsabilidade de olhar as coisas, de duvidar e de questionar», disse.
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