terça-feira, 17 de maio de 2011

Texto de Ernani Balsa

Quem vai à guerra, pressupõe-se que dá e leva!... A Marta foi à guerra e deu o seu melhor e em contrapartida, leva um enorme aplauso, como foi testemunhado por todos quantos tiveram o prazer e o privilégio de assistir, há poucas horas, à "estreia mundial" do seu último trabalho!...

Mais do que um documentário, "Quem vai à guerra" é um extraordinário documento, que urgia realizar e legar às presentes gerações, mais ou menos antigas e mesmo às vindouras, para uma melhor compreensão duma época importante, não claro numa perspectiva positiva, mas numa leitura do impacto que teve na história recente de Portugal. Eu pertenço a uma das gerações mais recuadas a que diz respeito este documento, se bem que lá tenha visto, por exemplo, o Prof. Eduardo Lourenço, duma geração ainda mais recuada do que a minha e que por si só, pela sua presença, que retrata certamente o seu interesse pela temática do documento, atesta bem a importância que pode assumir uma obra como esta...

É talvez bom referir, que a reboque das histórias ricas e vividas daquelas mulheres, um discurso feminino sobre a guerra, como a Marta refere, é todo um país que ali figura, com os dramas duma geração que não compreende a guerra, quase a ignora, dela se distancia como pode e no entanto faz a guerra, sem saber sequer para que servirá tal esforço... Na minha perspectiva, é avassalador o grau de inconsciência que se vivia naquela época. Se bem que as histórias que aquelas bravas mulheres nos contam, sobre as suas vivências da guerra, na distância, na saudade e no constante temor de perderem os seus homens queridos, são um testemunho impressionante do impacto duma guerra em qualquer sociedade, já as histórias das mulheres que foram literalmente à guerra, seguindo os seus maridos e que com elas levavam filhos de tenríssima idade para teatros de guerra, aguentando viver quase paredes meias com as oprerações militares que iam ceifando vidas a milhares de jovens soldados, roça quase o surreal... Julgo que em mais nenhum país do mundo se poderia assistir a tal situação. Aquelas mulheres, mas também aqueles homens que permitiam e colaboravam nesta verdadeira incongruência de transferir as famílias para o meio da cena duma guerra, como se se mudassem apenas de cidade para acompanhar os seus maridos num novo emprego, é um duro e cruel retrato da inconsciência total dum país, rendido à maior encenação do século, só para criar uma imagem de normalidade dentro de toda a anormalidade duma ditadura que promove a guerra e ao mesmo tempo quer fazer as pessoas pensar que ela verdadeiramente não existe...
Mas há também o testemunho das enfermeiras-paraquedistas, um pormenor que certamente as gerações mais novas desconheceriam, até que a Marta os leva a esta guerra... E o stress pós-traumático de guerra, uma calamidade escondida durante décadas e que mesmo hoje em dia ainda é mal-encarada pelo país real e distraído... E há, acima de tudo, uma geração usada e abusada e irónicamente ainda hoje mal aceite e compreendida... É verdade que hoje haverá uma geração à rasca, por outras razões, mas ainda há sobreviventes duma outra geração, que de tão inconsciente e reprimida, nem sequer terá tido a criatividade de encontar para sim um epíteto mínimamente mediático que a enquadrasse nas terminologias de que hoje precisamos para classificar cada coisa... Ela foi apenas e ainda vai sendo, através daqueles que ainda sobrevivem, como é o meu caso, a geração da guerra "tout court"!...

E é talvez porque eu por lá passei, por essa guerra, hoje tão distante e quase sem direito a ser mencionada nos manuais de história, ou quando o é, em letra quase surda e tímida, que eu quero agradecer à Marta, o ter tido a coragem, a capacidade e a arte de ter revelado a todos quantos temos o privilégio de ter sobrevivido a essa guerra, e também aos seus descendentes, um olhar honesto, inteligente e lúcido do que foram aqueles tempos em que os seus pais a conceberam, não imaginando sequer que a Marta, que naqueles anos apenas fazia lembrar, pelo seu nome, a "Martha my dear you have always been my inspiration", dos Beatles, se tornaria no século XXI numa cronista dos anos em que apenas era inconsciente, porque ainda era uma criança...

A Marta que hoje revejo, cresceu... cresceu muito... cresceu mais do que muitos homens que hoje em dia se julgam muito importantes, apenas porque nos conta verdades, enquanto esses, os outros, nos vendem mentiras, que nós ainda temos de pagar...
Obrigado Marta, filha da minha geração...


Lisboa. 14. Maio. 2011 | Ernani Balsa

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